A pipa e a flor ... Era uma vez uma pipa.
O menino que a fez estava alegre, e imaginou que a
pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha,
colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um
nariz, uma boca...
Ô, pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos
galhos das árvores.
Mas aconteceu um dia, ela estava começando a
subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para
baixo e viu, lá no quintal, uma flor. Ela já tinha encontrado
muitas flores. Só que desta vez seus olhos e os olhos da flor
se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não
era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os
olhos... A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só
queria ser uma coisa: fazer o que florzinha quisesse. Ah! Ela
era tão maravilhosa. Que felicidade se pudesse ficar de mãos
dadas com ela, pelo resto dos seus dias...
E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se
de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela
arrebentou, e a pipa foi cair, devagarinho, ao lado da flor.
E deu a linha para ela segurar.
Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou
que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria
com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela
dormisse. E ela pediu: “- Florzinha me solta...” E a florzinha
soltou.
A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz.
Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém
esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu
que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando
com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e
ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa.
Tinha raiva de ver a felicidade da pipa, longe dela... Tinha
raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si.
E ela flor, sozinha, deixada de fora. “- Se a pipa me amasse
de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de
mim. Ficaria o tempo todo comigo...” E a inveja juntou-se
ao ciúme.
Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas
que os outros têm, e nós não.
Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a
felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada.
Ficava emburrada quando a pipa chegava.
Exigia explicação de tudo.
E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto
faria a flor sofrer. E a flor foi, aos poucos encurtando a linha.
E a pipa não conseguia mais voar.
Via, ali do baixinho, de sobre o quintal (esta era toda
a distância que a flor lhe permitia voar) as outras pipas, lá de
cima... E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não
gostava da flor, como no início... ...
A pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade
de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles
eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande
ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou
a linha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz
vendo-a voar nas alturas...
ALVES, Rubem. A pipa e a flor. São Paulo: Loyola, 2004. p.12-24.
Assinale a alternativa que apresenta o motivo da pipa ter ser encantado pela flor: