A ninfa do Teatro Amazonas
Ela parecia um vulto perdido nesse mundo invadido pela água. Ainda não sabemos seu nome, e sua moradia é incerta; uns dizem que a mulher se esconde num buraco, lá na Colina; outros a viram perambular nos becos do bairro do Céu, e sabe Deus se é filha da cidade ou do mato. Dizem também que tentou entrar na Santa Casa, mas foi enxotada pelo porteiro do hospital. A chuva atingiu-a em plena praça São Sebastião. A porta da igreja estava fechada, a praça deserta, os sobrados silenciosos. Ao errar nas cercanias do nosso majestoso teatro, a mulher sentiu contrações no ventre. Os olhos talvez tenham procurado alguém para acudi-la, mas não havia alma viva na praça. Preferiu então rastejar até alcançar o pórtico do teatro Amazonas; empurrou com esforço a porta de madeira maciça e entrou. O interior estava deserto; de vez em quando um lampejo riscava o vidro das janelas e um estrondo vinha do céu como uma ameaça. Ainda rastejando, a mulher imergiu num espaço sombrio, onde nada – salvo seu corpo umedecido e seus cabelos molhados – lembrava a chuvarada lá fora. Sem se aperceber, ela penetrara na sala de espetáculos; uma passarela em declive conduziu-a para perto do palco. Deitada no veludo vermelho, entre duas filas de cadeiras, ela esperou o instante propício para dar à luz. Uma trovoada violou o silêncio da sala e fez vibrar o lustre de cristal pendurado na cúpula. O abalo alcançou um pequeno aposento no último andar.
(HATOUM, Milton. A cidade ilhada. São Paulo: Companhia de Bolso, 2014, p. 73)
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