O mito do inglês como língua internacional ou franca
No curso da história, é possível observar que as línguas ____ sido usadas como armas políticas de dominação ou de insubordinação. A própria noção de língua está muito atrelada às ideias de identidade e unidade nacionais, e os idiomas ____ funcionado como mecanismos ideológicos de construção e manutenção de práticas sociais e discursivas (Makoni & Pennycook, 2007; Schmitz, 2012). Atualmente, os papéis sociais da língua inglesa (LI) no contexto da sociedade globalizada ____ sido amplamente discutidos. Acreditamos que é impossível separar o inglês dos fenômenos de colonização e dominação (tanto material – territorial e econômica – quanto cultural e ideológica) empreendidos pela Inglaterra e pelos Estados Unidos (EUA) e, da mesma forma, defendemos que o ensino-aprendizagem deste idioma deve pautar-se por reflexões e discussões de ordem crítica.
Acentuadamente a partir das últimas décadas do século XX, a língua inglesa tem assumido status de língua internacional, global ou franca, como propõem Crystal (2003, 2009), Figueredo (2007), Jenkins (2007, 2012), Mckay (2002), Murray (2012), Schmitz (2012) e diversos outros estudiosos. Segundo Figueredo (2007, p. 28-29), para que uma língua seja considerada internacional ou global, “o importante não é possuir o maior número de falantes nativos, mas, sim, estar presente em vários países e assumir um lugar de destaque em suas relações sociais, culturais, educacionais, políticas e diplomáticas”. Isso pode ocorrer quando tal língua é estabelecida como idioma oficial do país ou quando é a principal língua estrangeira (LE) ensinada nas escolas. Por ser considerada global, a LI é tida por muitos como língua franca, por mediar as relações internacionais e mesmo nacionais em contextos de multilinguismo. Por língua franca, entende-se “uma língua auxiliar utilizada para comunicação entre diferentes grupos, em que cada um tem um determinado sistema linguístico” (Figueredo 2007, p. 31), que pode ser uma língua internacional ou não.
Todavia, entender a LI como língua internacional, global ou franca traz implicações ideológicas sérias, pois isso constrói, expressa e ratifica uma noção de neutralidade e naturalidade, como se a língua existisse por si só, independentemente de seus falantes e de toda sua historicidade, ou como se fosse, “uma língua emergente que existe por direito próprio” (Jenkins 2007, p. 2). Tem-se a falsa impressão de que se trata de mero acaso o inglês gozar desse status. No entanto, defendemos que não se trata de “o inglês aparecendo sempre no lugar certo na hora certa durante esses últimos 400 anos aproximadamente”, como erroneamente defende Crystal (2009). Trata-se, obviamente, de intrincadas relações de poder que têm sido construídas e reforçadas ao longo dos últimos séculos, sobretudo a partir de meados do século XVIII, com a _______ do império britânico, e, posteriormente, do império norte-americano e todo o seu poderio militar, econômico e cultural.
O imperialismo linguístico, como afirma Phillipson (2003), é mais uma faceta da dominação socioeconômica e política. Contudo, essa relação entre língua e dominação não pode ser analisada apenas superficialmente, como uma via de mão única ou como causa e efeito, uma vez que não se trata de uma questão meramente linguística. Como salienta Figueredo (2007, p. 32-33), a língua inglesa por si mesma não é a causadora de todas essas questões apontadas como nocivas em meio ao processo de globalização, mas os que fazem uso dela com o intuito negativo de impor seus interesses ideológicos de dominação é que a colocam, muitas vezes, como a propulsora de estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais injustas.
Pennycook (2007) amplia essa discussão e defende que a ideia do inglês como língua internacional está ancorada em mitos sobre seu status e seus papéis sociais. O autor assume uma perspectiva barthesiana para explicar a natureza mítica da LI e entende que o mito tem a função de dar uma justificativa natural a uma intenção histórica, fazendo-a parecer eterna, apagando a memória do que um dia foi. Este é “o próprio princípio do mito: transforma a história em natureza” (Barthes, 2001, p. 150), ______ “a causalidade é artificial, falsa, mas consegue, de certo modo, imiscuir-se no domínio da Natureza” (Barthes, 2001, p. 152). O mito purifica a construção intencional, torna-a inocente e natural e confere a ela um status de verdade que não precisa de explicação. Assim, a invenção passa a ser fato. Ndebele (1987, p. 3-4,1 citado por Pennycook, 2007, p. 90) advoga que “o próprio conceito de uma língua internacional, ou mundial, foi uma invenção do imperialismo ocidental”, e “o inglês como uma língua internacional (ILI) foi/tem sido criado, promovido e sustentado para o benefício dos poderes do ocidente, do capitalismo global, do mundo desenvolvido, do centro sobre a periferia, ou da ideologia neoliberal” (Pennycook, 2007, p. 90) Estamos rodeados, hoje em dia, por inúmeros discursos que repetem constantemente o mito da onipresença do inglês como língua global que conecta o mundo. A LI é vista como um ente natural, presente entre nós de forma espontânea, como parte integrante do espaço geográfico. Essa naturalização da LI faz emergir e reforça um discurso e uma ideologia do contato inevitável e da aprendizagem por osmose, como se a mera exposição ao idioma fosse suficiente para sua aquisição ou, ainda, como se estar exposto fosse igual a tomar parte. Molon (2003), a respeito da premissa vygotskiana de que a significação do mundo se dá pela mediação semiótica, enfatiza que não basta a presença material do elemento linguístico-semiótico para que haja mediação, pois a interação é um processo ativo, e não passivo ou do tipo osmótico. Em relação à perspectiva da aprendizagem osmótica de inglês, Barcelos (1999) argumenta que se trata de uma crença comum entre alunos em formação inicial no curso de Letras, que acreditam que é necessário estar cercados de materiais e informações na LI, como se a exposição ao idioma, e não a atuação ativa na construção de sua própria aprendizagem, garantisse a aquisição.
Adaptado de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/belt/article/view/20197/13592
Analise as seguintes propostas de alteração de palavras do texto.
I. Substituição de ‘ratifica’ (l.25) por ‘manifesta’.
II. Substituição de ‘propulsora’ (l.41) por 'controladora’.
III. Substituição de ‘imiscuir-se’ (l.49) por ‘intrometer-se’.
Quais provocam mudanças semânticas no período em que se inserem?