Emília no País da Gramática
— Sou a palavra Bamba, nascida não sei onde e filha de pais incógnitos, como dizem os jornais. Só a gente baixa, a molecada e a malandragem das cidades é que se lembra de mim. Gente fina, a tal que anda de automóveis e vai ao teatro, essa tem vergonha de utilizar-se dos meus serviços.
— E que serviço presta você, palavrinha? — perguntou Emília.
— Ajudo os homens a exprimirem suas idéias, exatamente como fazem todas as palavras desta cidade. Sem nós, palavras, os homens seriam mudos como peixes, e incapazes de dizer o que pensam. Eu sirvo para exprimir valentia. Quando um malandro de bairro dá uma surra num polícia, todos os moleques da zona utilizam-se de mim para definir o valentão. “Fulano é um bamba!”, dizem. Mas como a gente educada não me emprega, tenho que viver nestes subúrbios, sem me atrever a pôr o pé lá em cima.
— Onde é lá em cima?
— Nós chamamos “lá em cima” à parte boa da cidade; este “lixo” por aqui é chamado “cá embaixo”.
— Vejo que você tem muitas companhias — observou Narizinho, correndo os olhos pela molecada que formigava em redor. — Tenho, sim. Toda esta rapaziada é gentinha da Gíria, como eu. Preste atenção naquela de olho arregalado. É a palavra Otário, que os gatunos usam para significar um “trouxa” ou pessoa que se deixa lograr pelos espertalhões. Com a palavra Otário está conversando outra do mesmo tipo, Bobo. — Bobo sei o que significa — disse Pedrinho. — Nunca foi gíria.
— Lá em cima — explicou Bamba — Bobo significa uma coisa;aqui embaixo significa outra. Em língua de gíria, Bobo quer dizer relógio de bolso. Quando um gatuno diz a outro: “Fiz um bobo”, quer significar que “abafou” um relógio de bolso. — E por que deram o nome de Bobo aos relógios de bolso?
— Porque eles trabalham de graça — respondeu Bamba, dando uma risadinha cínica.
Texto Adaptado. LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. São Paulo: Globo, 2008.
A respeito da palavra “MOLECADA” presente no texto, é correto afirmar que significa: