As guerras do Brasil (Darcy Ribeiro)
Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais. O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros.
O importante, aqui, é a predominância que marca e caracteriza cada conflito concreto. Assim, a luta dos Cabanos, contendo, embora, tensões inter-raciais (brancos versus caboclos) ou classistas (senhores versus serviçais), era, em essência, um conflito interétnico, porque ali uma etnia disputava hegemonia, querendo dar sua imagem étnica à sociedade. O mesmo ocorre em Palmares, tida frequentemente como uma luta classista (escravos versus senhores), que se fez, no entanto, no enfrentamento racial, que por vezes se exibe como seu componente principal. Também os quilombolas queriam criar uma nova forma de vida social, oposta àquela de que eles fugiam. Não chegaram a amadurecer como uma alternativa viável ao poder e à regência da sociedade, mas suas lutas chegaram a ameaçá-las.
Um terceiro exemplo é Canudos, que também mostra essas três ordens de tensão. A classista prevalece porque os sertanejos, sublevados pelo Conselheiro, combatiam, de fato, a ordem fazendeira, que, condenando o povo a viver num mundo todo dividido em fazendas, os compelia a servir a um fazendeiro ou a outro, sem jamais ter seu pé-de-chão. Em consequência, não tinham qualquer possibilidade de orientar seu próprio trabalho para o atendimento de suas necessidades. Mas lá estavam pulsando os conflitos raciais e outros, inclusive o religioso.
O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vivemos praticamente em estado de guerra latente, que, por vezes, e com frequência, se torna cruento, sangrento.
(RIBEIRO, D. O povo brasileiro – A formação e o sentido do Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 167-8.)
Leia atentamente as seguintes afirmações sobre o texto.
I. O autor do texto vale-se de três conflitos históricos que ocorreram no Brasil (Cabanos, Palmares e Canudos) para defender a tese de que o povo brasileiro não é cordial.
II. O autor do texto considera o povo brasileiro gentil e pacífico por excelência, apesar dos conflitos que apresenta ao longo do texto.
III. O autor conclui o texto observando que o processo de formação do povo brasileiro se realizou pelo conflito de grupos étnicos distintos (brancos, negros e índios).
Agora assinale o que for correto.