O escravo africano é o rei do feitiço.
Ele o trouxe para o Brasil como o levou para quantas colônias o mandaram comprar, apanhar, surpreender, caçar em seus bosques e em suas aldeias selvagens da pátria.
Nessa importação inqualificável e forçada do homem, a prepotência do importador que vendeu e do comprador que tomou e pagou o escravo, pôde pela força que não é direito, reduzir o homem a coisa, a objeto material de propriedade, a instrumento de trabalho; mas não pôde separar do homem importado os costumes, as crenças absurdas, as ideias falsas de uma religião extravagante, rudemente supersticiosa, e eivada de ridículos e estúpidos prejuízos.
Nunca houve comprador de africano importado, que pensasse um momento sobre a alma do escravo: comprara-lhe os braços, o corpo para o trabalho; esquecera-lhe a alma; também se estivesse conscienciosamente lembrado, não compraria o homem, seu irmão diante de Deus.
Mas o africano vendido, escravo pelo corpo, livre sempre pela alma, de que não se cuidou, que não se esclareceu, em que não se fez acender a luz da religião única verdadeira, conservou puros e ilesos os costumes, seus erros, seus prejuízos selvagens, e inoculou-os todos na terra da proscrição e do cativeiro.
O gérmen lançado superabundante no solo desenvolveu-se, a planta cresceu, floresceu, e frutificou: os frutos foram quase todos venenosos.
Um corrompeu a língua falada pelos senhores. Outro corrompeu os costumes e abriu fontes de desmoralização. Ainda outro corrompeu as santas crenças religiosas do povo, introduzindo nelas ilusões infantis, ideias absurdas e terrores quiméricos.
E entre estes (para não falar de muitos mais) fundou e propagou a alucinação do feitiço com todas as suas consequências muitas vezes desastrosas.
E assim o negro d'África, reduzido á ignomínia da escravidão, malfez logo e naturalmente a sociedade opressora, viciando-a, aviltando-a e pondo-a também um pouco asselvajada, como ele.
O negro d'África africanizou quanto pôde e quanto era possível todas as colônias e todos os países, onde a força o arrastou condenado aos horrores da escravidão.
No Brasil a gente livre mais rude nega, como o faz a civilizada, a mão e o tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva as fantasias pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais avulta por mais perigosa e nociva a crença do feitiço.
MACEDO, Joaquim Manuel de A. As vitimas-algozes: quadros da escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 59.
Após a leitura e análise do fragmento acima podemos afirmar:
I. O trabalho servil desumaniza o escravo, reduzindo-o à condição de besta irracional.
II. O texto encerra uma condenação severa à escravidão.
III. O texto explicita um ponto de vista etnocêntrico em relação aos povos escravizados
IV. A influência do negro na esfera religiosa foi nociva, mas se revelou altamente produtiva nos demais campos da atividade social.
V. O narrador, ao dizer que o negro africanizou as sociedades para as quais foi transplantado, apoia seu julgamento em um ponto de vista preconceituoso e estigmatizante.
Indique a opção correta: