Sobre céticos e crédulos
Um dos desvios de personalidade distintivos de nós, jornalistas, em companhia da aversão atávica a reconhecer os nossos tropeços, é a vocação para desgraçadamente reeditarmos os erros mesmo quando anunciamos ter aprendido com o vexame mais recente. As lições apregoadas por vezes parecem manifestações protocolares insinceras ou aparentam vigor de faquir. [...]
O ceticismo deve estar para o jornalismo como a prancha para o surfista – é a base a partir da qual se desenvolve todo o resto. Foi o que faltou na cobertura do episódio em que a brasileira Paula Oliveira deu parte de agressões de militantes nazistoides na Suíça que teriam provocado o aborto das gêmeas que ela dizia esperar.
O jornalismo brasileiro subscreveu a queixa e estimulou a onda, confundindo o dever de confrontar as alegações com os fatos, para elaborar o noticiário mais escrupulosamente próximo à verdade possível, com a compaixão despertada pelo infortúnio da compatriota.
No instante em que as provas fragilizaram a história de Paula e sugeriram encenação, o jornalismo voltou a se constranger – e a incorrer em enganos assemelhados, ao assinalar como definitivos indícios que careciam de confirmação. Se é legítimo o sofrimento com os dias trágicos de Paula, ao jornalismo cabe identificar qual foi propriamente a tragédia.
Ingenuidade não faz de ninguém necessariamente um ser pior. Mas o jornalismo ingênuo e crédulo informa mal, portanto é mau jornalismo. O amigo cético costuma enfastiar os companheiros.
O jornalismo cético semeia confiança. [...] O jornalismo é uma disciplina de verificação, já se anotou. Essa característica o distingue de narrativas descompromissadas dos fatos e da checagem de informações. Nos diários impressos – embora se recomende vitaminar o resumo da véspera com mais densidade, contexto, análise, opinião e estilo –, a notícia segue a ser o principal ativo.
Quanto mais o ceticismo temperar o método de produção da notícia, mais confiável ela será. E mais indispensável aos cidadãos e aos consumidores será o jornalismo que a veicula.
(MAGALHÃES, M. Folha de S. Paulo, 25 fev. 2009)
De acordo com o texto, é correto afirmar: