Questão
2024
INSTITUTO CONSULPLAN
Prefeitura Municipal de São Fidélis (RJ)
Monitor de Alunos (Pref São Fidélis/RJ)
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A boca, no papel

O garoto da vizinha me pediu que o ajudasse a fazer (a fazer, não, a completar) um trabalho escolar sobre a boca. Estava preocupado porque só conseguira escrever isto: “Pra que serve a boca? A boca serve pra falar, gritar e contar. Serve também pra comer, beber, beijar e morder. Eu acho que a boca é um barato”. Queria que eu acrescentasse alguma coisa.

– Que coisa?

– Qualquer coisa, ué. Escrevi só quatro linhas, a professora vai bronquear. 

– Mas em quatro linhas você disse o essencial. Para mim, só faltou dizer que a boca serve também para calar. Em boca fechada não entra mosquito.

– Isso não dá nem uma linha – e os olhos do garoto ficaram tristes.

– Por favor, me ajude... 

Então resolvi fazer a minha redação, como aluno ausente do Colégio Esperança, e passá-la ao coleguinha, a título de assessor de emergência.

***

A boca de que estou falando, aliás, escrevendo, pode ser alegre, amarga, ameaçadora, sensual, deprimida, fria, sei lá o quê. Uma boca pode variar muito de expressão e mesmo não ter nenhuma. Uma das bocas mais gozadas que eu já vi foi a boca- -de-chupar-ovo, uma boquinha de nada, da minha tia Zuleica. Se fosse um pouquinho mais apertada, eu queria ver ela se alimentando – por onde? Mas esta boca está fora da moda, só aparece no jornal nos retratos das melindrosas de 1928, que faziam a boca ainda menor desenhando o contorno com o batom. Os lábios ficavam de fora, de longe.

Estou lendo escondido as poesias de Gregório de Matos. Dizem que ele tinha o apelido de Boca do Inferno por causa dos negócios que escrevia e que eram infernais. Infernais no tempo dele, pois na rua e em toda parte já escutei coisas muito mais cabeludas, xii!...

Toquinho canta uma letra que fala em boca da noite, acho que ele queria falar no anoitecer. É bonito, mas não consigo imaginar essa boca na cara da noite. Sou mais a boca do dia, que não sei se alguém já teve ideia de falar nela, mas o amanhecer engolindo a escuridão da noite é mais legal que o anoitecer papando os restos de dia.

Boca por boca, não ando atrás da boca-livre, que aliás nunca passou perto de mim, e só um grupo consegue, os privilegiados. Se a boca fosse livre para todos, então a vida seria melhor.

É a tal história: quanta gente fazendo boquinha pra conseguir o quê? Nada. E com quatro ou cinco bocas em casa pra sustentar.

(DE ANDRADE, Carlos Drummond. Moça deitada na grama. Rio de Janeiro: Record, 1987. Adaptado.)

Assinale a opção em que a partícula “o” sublinhada aparece com o emprego diverso do que se apresenta no seguinte trecho do texto: “[...] é mais legal que o anoitecer papando os restos de dia.” (10º§)
A
“– Mas em quatro linhas você disse o essencial.” (4º§)
B
“[...] mas o amanhecer engolindo a escuridão da noite é mais legal [...]” (10º§)
C
“[...] me pediu que o ajudasse a fazer (a fazer, não, a completar) um trabalho escolar sobre a boca.” (1º§)
D
“Dizem que ele tinha o apelido de Boca do Inferno por causa dos negócios que escrevia e que eram infernais.” (9º§)