"Poblema ou pobrema?
Quantas vezes já disse que um cronista não precisa de inspiração? Precisa de amigos e de olhos e ouvidos abertos. Uma cidade como São Paulo está cheia de assuntos em cada esquina. Eles ficam à espreita e nos agarram pelas pernas. Há quem procure desvencilhar-se, mas há quem puxe o laço e prenda o tema. Depois, é sentar-se diante do computador e tentar fazer com que a crônica reflita o cotidiano da cidade. [...] Dias desses, me telefonou um amigo, Gilberto Lehfeld, o que foi diretor da CET. Vez ou outra, ele me conta histórias. Muita coisa de trânsito que saiu aqui foi passada por ele. Gilberto estava apressado: "Preciso te contar logouma história maravilhosa". Ele tem uma parente que é professora na periferia. Mulher que todos os dias toma ônibus e segue para sua escola. Ela tem sorte de apanhar a condução em um horário que não e de pico, portanto dá para sentar-se com certa comodidade. Um dia, ela estava absorta olhando a mesma paisagem monótona e feia dos subúrbios: casas inacabadas, espeluncas com uma mesa de bilhar debaixo de um puxado, mercadinhos rodeados por grades, água de serventia correndo pelo meio de ruas sem calçamento. Então, duas mulheres entraram e sentaram-se no banco da frente. A mais moça dizia:
- Ando tão preocupada.
- Com o que, minha flor?
- Com duas palavras.
- Que coisa, minha flor! Cada vez você tem uma palavra que te deixa perturbada. Que palavras são essas que te perturbam tanto?
- Poblema e pobrema.
- Não acredito que você não sabe.
- Não sei e já perguntei a um mundo de gente.Tem quem me diz que é probema. Como é que a gente faz para descobrir o que as palavras querem dizer?
- Sei lá! Perguntar para um professor?
- Vou ter de ir ao grupo escolar?
- Por sorte, eu sei o que quer dizer poblema e pobrema.
- Jura? Por que não me disse?
- Ia dizer. É tão fácil.
- Diz logo, mulher.
- Minha flor, poblema é quando você tem um poblema em casa. Com o marido, com os filhos, com a mãe, com uma parente. Aí é poblema. - E pobrema?
- É pobrema de escola. Aquelas contas que as professoras dão para a gente fazer. Quanto mais difícil, maior o pobrema. Entendeu?
- Entendi. E por que não pensei nisso? Fiquei com um pobrema na cabeça e não precisava. Não era pobrema, era poblema. Por que esse era um pobrema, não?
Virou-se para a janela, feliz da vida, contente por ter decifrado o mistério das palavras."
(Ignácio de Loyola Brandão, Ed. Ática, 2003, pp.47-49)
Segundo Ignácio de Loyola Brandão, para escrever crônicas é preciso estar atento à vida que acontece todos os dias. É, pois, a vivência sendo transformada em narrativa, em história. Em qual passagem do texto em questão, essa explicação de crônica pode ser comprovada?