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Algumas pessoas acreditam que trabalho e felicidade não têm qualquer relação, sendo, antes, conceitos contraditórios: feliz é quem não precisa trabalhar. Contudo, há aqui claramente um paradoxo, talvez típico da cultura brasileira: ao mesmo tempo em que as pessoas desejam o trabalho quando não o têm, elas diminuem seu valor quando empregadas. A angústia de ser desempregado só se iguala à angústia de ter um patrão.
É provável que esse paradoxo se explique no contexto da tradição ocidental sobre a felicidade: de um lado, o ideal da felicidade como vida boa – uma vida simples, tranquila e estável, com poucos desejos, mas desejos certos; de outro, o ideal moderno do sucesso – uma vida agitada, acossada pelo fantasma do fracasso, pelo medo de não ter status ou de ficar “empacado”. Ambos os ideais estão costurados no sentido do trabalho no Brasil. A consequência disso é a relação de amor e ódio típica do brasileiro com o trabalho: o desejo de que logo chegue o final de semana e o tédio quando as férias se prolongam.
Talvez isso mostre que o mais importante para a felicidade no trabalho seja a atividade em si, e não o modo como ela se institucionaliza. Fazendo eco ao que Karl Marx disse há mais de um século, o trabalho (não o emprego) é meio privilegiado para a auto expressão do indivíduo. Naturalmente, essa é uma visão inteiramente contaminada pela modernidade. Nesta, o “ser” se revela na ação, e não na contemplação.
Pessoas que não têm uma atividade, que não canalizam suas energias para sua finalização, podem simplesmente se desconectar do convívio social, seja pela violência ou mesmo pela mais pura passividade e apatia. Nesse sentido, o trabalho é uma importante forma de pedagogia do caráter.
Entretanto, sabemos que o trabalho pode ser igualmente uma das mais funestas causas de sofrimento mental e físico. Basicamente, isso ocorre quando a sua organização (leia-se, sua institucionalização) impõe limites àquela auto-expressão do indivíduo. Aqui temos um outro paradoxo, pois quanto mais, na sociedade em geral, se difunde a obrigação generalizada da busca pela felicidade, mais as pessoas tornar-se-ão reticentes em embarcar em um trabalho desprovido de conteúdo.
Desse modo, a contrapartida da apologia da felicidade é uma elevação no patamar de exigências quanto ao grau de sentido e prazer que um trabalho deve ter para ser satisfatório. Com isso, as expectativas com relação ao RH das empresas estão se tornando cada vez maiores.
As organizações, no entanto, não são lugares para se encontrar a felicidade. Enquanto instituições, são conservadoras: não podem oferecer mais do que um contrato de troca. Elevar as expectativas quanto à sua capacidade de nos conceder mais do que isso é depender de uma crença ou fé semelhante à que os antigos gregos temiam por saberem que não poderiam deixar sua vida em mãos tão fortuitas e passionais como as dos deuses.
O “princípio do prazer”, regido pela lógica do “quero, logo tenho; quero, logo sou”, faz da vida uma tragédia – pois, queiramos ou não, o mundo não está aqui para atender a todos os nossos desejos; no fim, o acaso (ou a deusa Fortuna, para os antigos romanos) é muito mais forte.
Enquanto a felicidade depender de acumulação de renda, patrimônio, sucesso, status e poder, continuaremos a ser infelizes. E por quê? Porque, diria Schopenhauer refletindo os antigos, não temos controle sobre as coisas externas a nós. Não há acumulação suficiente que possa saciar nossas aspirações; propriedade e desejo nunca se ajustam, exceto em equilíbrio instável.
(Extraído e adaptado de:Pedro F. Bendassolli. Felicidade e trabalho. FGV executivo, p. 61, 2015)
Assinale a opção em que reescrita do trecho “Elevar as expectativas quanto à sua capacidade de nos conceder mais do que isso é depender de uma crença ou fé semelhante à que os antigos gregos temiam...” está correta.