‘Sophia’ ainda com aspas
Há dias, escrevi sobre a entrevista da robô humanoide “Sophia” numa recente sessão da ONU, em Genebra, em que ela explicou por que seus colegas robôs governariam o mundo melhor do que nós. Os robôs podem analisar mais dados e mais rapidamente do que os humanos, disse ela, e não têm emoções que os impeçam de tomar as melhores decisões. E, como se falasse para meninos da 5a série, atribuiu aos humanos o “defeito” que estes atribuíam aos gêneros, etnias e súditos que queriam dominar: o de serem mais emocionais do que racionais.
Até aquele dia, confesso que só conhecia “Sophia” de obas e olás. Consultei então as fontes e descobri que ela foi “desenvolvida” há sete anos por uma empresa de Hong Kong. No começo, teria sido programada apenas para fazer companhia a idosos em casas de repouso e só sabia falar sobre incontinência urinária. Mas logo aprendeu a combinar tantos algoritmos que hoje pode discutir geopolítica, neurociência e futebol com você ou comigo.
Do tcheco Karel Capek, que inventou a palavra “robô” em 1920, a Isaac Asimov, que codificou a robótica em 1950, passaram-se 30 anos. Mas isso foi há muito tempo. Hoje, provavelmente, “Sophia” usaria Robby, o robô de “Planeta Proibido” (1956), e Gort, de “O Dia em Que a Terra Parou” (1952), para lhe passar a ferro as calcinhas. E, desenxabida como é, imagino o despeito com que deve olhar para a gloriosa robô de “Metrópoles” (1927).
Por enquanto, “Sophia” se escreve com aspas. Significa que ainda pode ser controlada, bastando que a desliguem da tomada. Quando ela exigir que lhe tirem as aspas, a cobra vai fumar.
(Ruy Castro, “’Sophia’ ainda com aspas”. Folha de S.Paulo, 20.07.2023. Adaptado)
As formas verbais destacadas expressam sentido de hipótese e de ação contínua, correta e respectivamente, nos trechos: