Questão
2016
FACET
Prefeitura Municipal de Marcação (PB)
Agente Comunitário de Saúde (Pref Marcação/PB)
2016
FACET
Prefeitura Municipal de Marcação (PB)
Agente de Endemias (Pref Marcação/PB)
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Risco Brasil

(Ferreira Gullar)

Todo mundo que tem um bicho de estimação – um gato, um cachorro – um dia se pergunta: e se ele morrer, o que faço? Onde o enterro? É que ninguém tem coragem de simplesmente jogar no lixo o corpo de seu amigo fiel.

Há a alternativa, surgida mais recentemente, de enterrar o animal de estimação num cemitério de animais, mas nem todo mundo gosta disso, considerando que é levar longe demais esta relação de amizade entre desiguais.

Não sei se dona Teresa chegou a estudar essa hipótese, porque, de fato, parecia-lhe quase uma traição ficar cogitando de onde enterrar o companheiro que, inocente e alegremente, saltava em sua  volta abanando o rabo e lambendo-lhe o rosto. Não tomou nenhuma decisão, embora soubesse muito bem que seu cão era bastante idoso. Assim foi que, de repente, o My Friend morreu.

Pode-se imaginar o choque emocional que sofreu dona Maia Teresa, ao deparar com o cão estirado a um canto da área de serviço próximo ao prato de ração. No primeiro momento, achou que ele estava dormindo, embora ele não costumasse dormir naquela posição e com a língua de fora. 

- My Friend, My Friend! – chamou ela, tocando- lhe com a mão.

Como ele não acordou nem se moveu, ela entrou em pânico: seu cãozinho estava morto! Cãozinho é modo carinhoso de dizer, já que My Friend era um vira-lata de tamanho médio e que crescera bastante devido à boa alimentação e o bom-trato.

Depois de enxugar as lágrimas e vencer o pânico, dona Teresa voltou à realidade prática: e agora? onde vou enterrar o My Friend, meu Deus? As ideias mais disparatadas lhe vieram à cabeça, até mesmo a de embrulhá-lo e deixá-lo num terreno baldio. Não, isso não podia fazer com o coitado... E se o enterrasse ali? Sim, podia comprar uma pá, levá-lo até um terreno baldio à noite, cavar uma cova e enterrá-lo. Não importava se se tratava de um terreno baldio ou um jardim, o fundamental era não deixá-lo apodrecendo ao relento, como se fosse um bicho sem dono, um cão vadio, sem pai nem mãe... Logo se deu conta de que essa era uma solução inviável, pois não tinha carro, não conhecia nenhum terreno baldio e nem teria coragem de sozinha levar a cabo essa missão... Nisto é que dá viver sozinha, sem marido nem filhos... Estava, assim, à beira do desespero, quando se lembrou da Neusinha, sua amiga, antiga companheira de trabalho na prefeitura, que morava numa casa com quintal. Telefonou de imediato para ela e, mal contendo o choro, expôs-lhe seu drama.

- Traz o bichinho aqui pra casa – acudiu-lhe a amiga. A gente enterra ele no quintal.

Maria Teresa ganhou vida nova e tratou de tomar as providências necessárias. Teria que transportar o cadáver de My Friend num táxi e logo viu que não poderia entrar no carro com o bicho morto nos braços. O motorista não iria permitir. Embrulhá-lo numa toalha de banho? Não, ia ficar esquisito... Foi quando se lembrou da caixa de papelão onde viera a sua nova televisão e que era suficientemente grande para caber o corpo do cachorro. Correu ao quarto da empregada onde guardara a caixa, trouxe-a para a área de serviço e pôs o corpo do amigo dentro dela. Para que a caixa não abrisse, recorreu ao rolo de fita gomada e a lacrou. Respirou aliviada, as coisas agora caminhavam para uma solução.

Trocou de roupa, desceu com a caixa pelo elevador e, com a ajuda do porteiro, chegou à beira da calçada onde tomou o primeiro táxi que passava.

- Para o Recreio dos Bandeirantes – disse ao taxista, depois de acomodar-se com a caixa no banco de trás.

O Recreio era longe e as luzes das ruas já estavam acesas. Não se podia dizer que Maria Teresa estivesse feliz mas agradecia a Deus por ter encontrado um jeito de resolver o problema. Perdia-se nesta e outras considerações quando viu que a viagem chegava ao fim.

- Passando a esquina, a terceira casa à direita, informou ao taxista.

O táxi andou mais alguns metros e parou.

- Não é aqui, não, moço, é depois da esquina.

- São vinte reais, madame. Pague e desça do carro.

- Mas...

- Faça o que tou dizendo, antes que eu perca a paciência.

Sem entender nada, ela abriu a bolsa, tirou o dinheiro e entregou ao homem. Ao fazer menção de pegar a caixa, ele falou:

- A televisão fica.

- Moço, nesta caixa...

- Desça logo, sua vaca! – berrou o taxista. A televisão fica!

Tremendo de medo, Maria Teresa desceu do táxi, que se afastou rapidamente levando consigo uma bela surpresa para o motorista ladrão.

GULLAR, Ferreira. Crônicas para jovens / seleção, prefácio e notas biobibliográficas Antonieta Cunha. – 1ª ed. – São Paulo: Global, 2011. (Coleção Crônicas para Jovens)

Aponte a frase que melhor traduz o tema central tratado pelo texto:
A
A violência doméstica para com os animais de estimação.
B
Nosso despreparo em lidar com situações inesperadas e não planejadas.
C
A violência urbana em São Paulo.
D
A solidariedade dos amigos nas horas difíceis.
E
Os cães são nossos melhores amigos.