Quando a linguagem culta é um fantasma
Antes de entrar no exame dos modos de uso da linguagem dos jovens, é preciso estabelecer que, em qualquer idioma, há vários níveis de expressão e comunicação: coloquial, culto, profissional, técnico, acadêmico, formal etc. As diferenças entre esses níveis são evidentes, por isso parecem facilmente demarcáveis. Basta comparar, por exemplo, a fala de estudantes com a fala de um juiz em sua tribuna ou a de um professor em uma conferência na universidade.
Assim, as dificuldades do jovem estão, a rigor, na incapacidade de expressar-se nos níveis formais e distantes de sua experiência de comunicação cotidiana. No seu grupo – e aí é que vive a maior parte de seu tempo – certamente ele não sente o menor embaraço para dizer o que quer e entender o que os amigos falam. A comunicação se faz à perfeição, sem quaisquer ruídos: ”Sábado vou dar um chego lá na tua baia, ta?” E a resposta vem logo, curta e precisa: “Falo!” Vê se leva o Beto junto. Faz tempo que ele não pinta lá. Depois a gente sai pra dar uma banda”.
Esse é o nível da linguagem de seu grupo. Um nível meio galhofeiro e rico de tons que ele domina galhardamente. Está como um peixe dentro de seu elemento natural. Movimenta-se com segurança, muito consciente de sua capacidade de comunicação.
As dificuldades que experimenta – e que o fazem inseguro – estão na aprendizagem da língua “ensinada na escola”: a língua culta. Essa, representa para ele um obstáculo intransponível, uma coisa estranha que o assusta. E é fato compreensível. Para o jovem habituado à linguagem de seu grupo, à gíria, ao jargão de seus companheiros de idade e de interesses, a norma culta surge como um fantasma, um anacronismo com o qual não consegue estabelecer uma convivência amistosa. Se passa todo o tempo a dizer “tu viu”, “eu vi ela”, “me dá a caneta”, “as redação”, como irá, nos 50 minutos da aula de português, alterar seu comportamento linguístico e aceitar sem relutância que o certo é “tu viste”, “eu a vi”, dá-me a caneta”, “as redações”?
A força coercitiva da escola é pouca para opor-se à avalanche de usos diferentes que vêm de fora. É, pensando bem, quase uma violência que se comete contra a espontaneidade da linguagem dos jovens, principalmente quando o professor não é suficientemente esclarecido para dar-lhes a informação tranquilizadora de que todos os níveis de linguagem são legítimos, desde que inseridos em contexto sociocultural próprio e para explicar-lhes, enfim, por que a escola trabalha preferencialmente o nível linguístico da norma culta. Isso os tiraria da situação constrangedora em que se acham metidos e que se manifesta mais ou menos assim: “Não sei como é que não consigo aprender português!”
(Lourival Viana. Quando a linguagem culta é um fantasma. Correio do Povo. 7/8/1983. Adaptado).
O Texto 1 fala em que: “há vários níveis de expressão e comunicação”. O verbo ‘haver’, de acordo com a norma culta, adota certas restrições de concordância. Assim, a alternativa em que a concordância desse verbo está correta é: