Questão
2011
FAEPESUL
Prefeitura Municipal de Laguna (SC)
Professor - Artes (Pref Laguna/SC)
2011
FAEPESUL
Prefeitura Municipal de Laguna (SC)
Professor - Educação Infantil (Pref Laguna/SC)
2011
FAEPESUL
Prefeitura Municipal de Laguna (SC)
Especialista em Assuntos Educacionais (Pref Laguna/SC)
2011
FAEPESUL
Prefeitura Municipal de Laguna (SC)
Psicopedagogo (Pref Laguna/SC)
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““Pobre dos nossos ricos”

Mia Couto

A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos, mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.

Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos "ricos". Aquilo que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes
nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.·

Necessitariam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.

O maior sonho dos nossos novos-ricos é, afinal, muito pequenino: um carro de luxo, umas efêmeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas. O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas muito convexas e estradas muito côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de
riqueza. Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade. 

Coitados dos novos-ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante, mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo.

Os nossos endinheirados-às-pressas não se sentem bem na sua própria pele. Sonham em ser americanos, sul-africanos. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos. Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem
comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afeto dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal-explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada. 

A luta de libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se pretendia substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma outra raça. Não se queria uma simples mudança de turno nos opressores. Estamos hoje no limiar de uma decisão: quem faremos jogar no combate pelo desenvolvimento? Serão estes que nos vão representar nesse relvado chamado "a luta pelo progresso"? Os nossos novos ricos (que nem sabem explicar a proveniência dos seus dinheiros) já se tomam a si mesmos como suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do país. Alguns dos nossos endinheirados não se afastam muito dos miúdos que pedem para guardar carros. Os novos candidatos a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A comunidade doadora pode ir às compras ou almoçar à vontade que eles ficam a tomar conta da nação. Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação. 

Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza. Como eu sonhava que Moçambique tivesse ricos de riqueza verdadeira e de proveniência limpa! Ricos que gostassem do seu povo e defendessem o seu país. Ricos que criassem riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a economia. Que respeitassem as regras do jogo. Numa palavra, ricos que nos enriquecessem. Os índios norte-americanos que sobreviveram ao massacre da colonização operaram uma espécie de suicídio póstumo: entregaram-se à bebida até dissolverem a dignidade dos seus antepassados. No nosso caso, o dinheiro pode ser essa fatal bebida. Uma parte da nossa elite está pronta para realizar esse suicídio histórico. Que se matem sozinhos. Não nos arrastem a nós e ao país inteiro nesse afundamento. 

(Moçambique-Jornal "Savana", 13 de Dezembro de 2003)

De acordo com o texto “Pobre de nossos ricos”- é correto afirmar que:
A
“A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos”.
B
O autor considera mais importante ser endinheirado do que criar oportunidades para os outros crescerem.
C
O endinheirado é humilde.
D
A elite endinheirada não é uma falsificação, mas uma elite autêntica.
E
Os endinheirados-às-pressas gostam e se sentem bem na sua própria pele.