Questão
2014
FAUEL
Prefeitura Municipal de Bom Jesus do Sul (PR)
Agente Comunitário de Saúde (Pref Bom Jesus do Sul/PR)
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PALAVRAS ALADAS
 
1º Silêncio era a coisa que aquele rei mais gostava. E de que, a cada dia, mais parecia gostar. Qualquer ruído, dizia, era faca em seus ouvidos.
 
2º Por isso muito jovem ainda mandou construir altíssimos muros ao redor do castelo E logo, satisfeito, ordenou que por cima dos muros, e por cima das torres, por cima dos telhados e dos jardins, passasse imensa redoma de vidro.
 
3º Mas se os sons não podiam entrar, verdade é que também não podiam sair. Qualquer palavra dita, qualquer espirro, soluço, canto, ficava vagando prisioneiro do castelo, sem que lhe fossem de valia fresta de janela ou porta esquecida aberta. 
Pois se ainda era possível escapar às paredes, nada os libertava da redoma.
 
4º E tudo teria continuado assim, se um dia, no exato momento em que sua majestade recebia um imperador estrangeiro, não atravessasse a sala do trono uma frase desgarrada. Frase de cozinheiro que, sobrepondo-se aos elogios reais, 
mandou o imperador depenar, bem depressa, uma galinha.
 
5º Mais do que os ouvidos, a frase feriu o orgulho do castelão. Furioso, deu ordens para que todos os sons usados fossem recolhidos e para sempre trancados no mais profundo calabouço.
 
6º Durante dias os cortesões empenharam-se naquele novo esporte que os levava a sacudir cortinas e a rastejar sob os imóveis. A audição certeira abatia exclamações em pleno voo, algemava rimas, desentocava cochichos. Um conde encheu um cesto com um cento de acentos. Um marquês de monóculo fez montinhos de monossílabos. E houve até quem garantisse ter apanhado entre os dedos o delicado não de uma donzela. Enfim, divertiram-se tanto, tão entusiasmados ficaram com a tarefa, que acabaram por instituir a Temporada Anual de Caça à Palavra.
 
7º De temporada em temporada, esvaziava-se o castelo de seus sons, enchia-se o calabouço de conversas. A tal ponto que o momento chegou em que ali não cabia mais sequer o quase silêncio de uma vírgula. E o Mordomo Real viu-se obrigado a transferir secretamente parte dos sons para aposentos esquecidos do primeiro andar.
 
8º Foi portanto por acaso que o rei passou frente a um desses cômodos. E passando ouviu um murmúrio, rasgo de conversa. Pronto a reclamar, já a mão pousava na maçaneta, quando o calor daquela voz o reteve. E inclinado à fechadura para melhor ouvir, o rei colher as lavas, palavras, com que um jovem, de joelhos talvez, derramava sua paixão aos pés da amada.
 
9º A lembrança daquelas palavras pareceu voltar ao rei de muito longe, atravessando o tempo, ardendo novamente no peito. E em cada uma ele reconheceu com surpresa sua própria voz, sua jovem paixão. Era sua aquela conversa de amor há tantos anos trancada. Fio da longa meada do passado, vinha agora envolvê-lo, religá-lo a si mesmo, exigindo sair de calabouços.
 
10 – Que se abram as portas! – correu o grito da sala ao salão, da escada ao jardim, muro acima, até esbarrar na cúpula de vidro, e voltar, batendo queixo majestoso.
 
11 – Que se derrube a redoma! – lançou então o rei com todo o poder de seus pulmões. – Que se abatam os muros!
 
12 E desta vez vai o grito por entre o estilhaçar, subindo, planando, pássaro-grito que no azul se afasta, trazendo atrás de si em revoada frases, cantigas, epístolas, ditados, sonetos, epopeias, discursos e recados, e ao longe – maritacas – um bando de risadas. Sons que no espaço se espalham levando ao mundo a vida do castelo, e que, aos poucos, em liberdade se vão.
 
COLOSANTI, Marina. Doze reis e a moça do labirinto. São Paulo: Global, 2001.

Assinale a alternativa em que a divisão silábica está incorreta:
A
mur-mú-rio.
B
sa-tis-fei-to.
C
pri-sio-nei-ro.
D
re-voa-da.