Questão
2007
FEC
Prefeitura Municipal de Vassouras (RJ)
Professor Educação Fundamental 6° ao 9° ano (Pref Vassouras/RJ)
Machado-Assis-conta579abe89166
Machado de Assis conta que, com seis anos, o menino Brás Cubas tinha o hábito de montar a cavalo no moleque Prudêncio. Punha-lhe um freio, chicoteava-o com uma varinha e dava mil voltas para um e outro lado. O escravozinho obedecia sem dizer nada ou, quando muito, gemia: "Ai, nhonhô", ao que Brás retorquia: "Cala a boca, besta!". 

Muitos anos depois, Brás Cubas encontra Prudêncio, já alforriado, chicoteando outro negro, seu escravo. A pedido de Brás, Prudêncio perdoa o escravo e o manda para casa. Brás acha o episódio engraçadíssimo, pois percebe que, ao bater no escravo, Prudêncio estava apenas se vingando das pancadas recebidas do seu antigo sinhozinho. E como um louco que ele conhecera, Romualdo, que se dizia Tamerlão, rei dos tártaros. Tinha se transformado em Tamerlão, explicava o louco, porque tinha tomado tanto tártaro, tanto tártaro, que virara tártaro, e até rei dos tártaros. O tártaro tinha a virtude de fazer tártaros. 

Essa seqüência de três episódios - os dois em que aparece Prudêncio e o terceiro em que aparece Romualdo - pode ser lida a partir de duas grades interpretativas opostas, que eu chamaria o naturalismo e o angelismo. 

O naturalismo privilegia apenas os dois primeiros episódios, em que surgem Prudêncio e Brás Cubas. Prudêncio figura nelas uma vez como protagonista passivo e outra como protagonista ativo. Na primeira cena, Brás Cubas é agente. Na segunda, é espectador - e observa Prudêncio exercendo a função de algoz que Brás exercera na infância e em que o escravo ocupa a posição de vítima antigamente ocupada por Prudêncio. 

No rodízio dos personagens, não há mudança no enredo, mas apenas alternância de papéis: Prudêncio pode perfeitamente substituir Brás, porque na interpretação naturalista são dois indivíduos genéricos, intercambiáveis, contracenando num espetáculo alegórico cuja função é ilustrar um dos traços universais da natureza humana. 

Nessas duas narrativas, Machado estaria tematizando a violência congênita que existe em todos os homens, independentemente de sistema social ou de período histórico, e que pode se manifestar indiferentemente num representante da classe senhorial, como Brás Cubas cavalgando Prudêncio, e num representante da classe subalterna, como Prudêncio fustigando o escravo. Igualmente universal, exprimindo um dos aspectos menos nobres da maldade humana, é o mecanismo compensatório pelo qual a vítima da violência por sua vez se torna violenta, se vingando em outros das agressões recebidas. 

[ ... ] Em compensação, a perspectiva angelista poria toda a ênfase no terceiro episódio, o apólogo que tem como tema o louco Romualdo. O apólogo contextualiza as duas cenas anteriores, que deixam de aludir a uma natureza humana abstrata. Com essa parábola, dizem os angelistas, Machado está nos dizendo que a violência de Brás contra Prudêncio e deste contra o escravo nada têm de universal. Assim como a natureza tártara de Romualdo é filha do tártaro ingerido, a violência de Prudêncio é filha da violência de Brás Cubas, e a deste é filha da violência estrutural embutida na sociedade escravocrata. O tártaro produz guerreiros tártaros, assim como a violência estrutural produz homens violentos. Violência concreta, portanto, produto de uma gênese histórica, não violência do homem em geral, mas violência produzida por estruturas particularíssimas de dominação, que envolvem em suas malhas tanto opressores como oprimidos. 

(ROUANET, Sérgio Paulo. Folha de São Paulo, Caderno Mais, 04/02/2001 . ) 

Em relação à passagem: "Muitos anos depois, Brás Cubas encontra Prudêncio, já alforriado, chicoteando outro negro, seu escravo. A pedido de BRÁS, PRUDÊNCIO perdoa o escravo" (2° parágrafo), seria inteiramente equivocada a seguinte solução para substituir os nomes grifados por formas gramaticais coesivas:
A
A pedido dele, este perdoa o escravo;
B
A pedido seu, este perdoa o escravo;
C
A pedido deste, aquele perdoa o escravo;
D
A pedido daquele, este perdoa o escravo;
E
A pedido de um, o outro perdoa o escravo.