Leia o texto “Português: Falta de paralelismo semântico cria efeito de estilo”, que foi publicado por Thaís Nicoleti de Camargo em uma coluna do jornal Folha de S. Paulo, no ano de 2002. Nesse texto, trata-se de um dos recursos da Língua Portuguesa que é responsável por promover a coesão textual: o paralelismo.
Português: Falta de paralelismo semântico cria efeito de estilo
Já tratamos neste espaço da importância do paralelismo sintático para a clareza da expressão. Em: "Ele hesitava entre ir ao cinema ou ir ao teatro", falta simetria no plano sintático. O uso da preposição "entre" pressupõe a existência de dois elementos de mesmo valor sintático ligados pela conjunção "e". Como a conjunção "ou" indica alternativa, é possível ocorrer confusão num contexto como esse.
É preciso lembrar, entretanto, que a preposição "entre" delimita um intervalo entre dois pontos definidos. Daí o motivo de reger dois elementos ligados por "e". Mas, atenção. Embora claro do ponto de vista do paralelismo sintático, um enunciado como "A diferença entre os alunos e as carteiras disponíveis na sala é muito grande" contém um problema semântico. Alunos e carteiras não são elementos comparáveis entre si.
A diferença a que se refere a sentença é numérica. Então, o ideal é dizer: "A diferença entre o número de alunos e o de carteiras é muito grande". Agora, sim, a informação ganhou precisão. Faltava na frase o que chamamos paralelismo semântico, ou seja, a simetria no plano das ideias.
Esse é o mesmo problema verificado em construções do tipo: "O time brasileiro vai enfrentar a França nas quartas-de-final". Ora, um time não pode enfrentar um país. Então, entre outras possibilidades: "O time brasileiro vai enfrentar a seleção da França" ou "O Brasil vai enfrentar a França".
Preservar o paralelismo semântico é tão importante quanto preservar o paralelismo sintático. Mas, na pena de um bom escritor, a quebra da simetria semântica pode resultar em curiosos efeitos de estilo. Não foi outra coisa o que fez Machado de Assis no conhecido trecho de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em que, irônica e amargamente, o narrador diz: "Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis". No mesmo livro: "antes cair das nuvens que de um terceiro andar". O uso desse artifício parece ser uma das marcas estilísticas do autor. Na abertura de "Dom Casmurro", o narrador diz: "(...) encontrei (...) um rapaz (...), que eu conheço de vista e de chapéu".
No conto "O Enfermeiro", ao anunciar que vai relatar um episódio, o narrador adverte que poderia contar sua vida inteira, "mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel". O elemento "papel", disposto nessa sequência, surpreende o leitor e instala o discurso irônico. Ter ou não papel para escrever é algo prosaico. A falta de ânimo, um problema pessoal, está em outro patamar semântico.
Essa interpenetração de planos é um dos articuladores do tom irônico do discurso machadiano.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha.
Com base na leitura do texto apresentado, assinale a alternativa correta