JC - Seu livro [A língua de Eulália] fala o tempo todo em "português padrão" e "português não-padrão". Como você explica estes conceitos?
Bagno - O português padrão é a língua falada pelas pessoas que detêm o poder político e econômico e estão nas classes sociais mais privilegiadas, que nós sabemos que são uma pequena minoria na população do Brasil, país que detém o triste recorde mundial de pior distribuição da riqueza nacional entre as camadas sociais.
JC - E quem fala o português não-padrão?
Bagno - O português não-padrão é a língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo. É também, consequentemente, a língua das crianças pobres e carentes que frequentam as escolas públicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais desprestigiadas, marginalizadas e oprimidas pela terrível injustiça social que impera no Brasil, o português não-padrão é vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. Ele é considerado "feio", "deficiente", "errado", "rude", "tosco", "estropiado", idéias que resultam da simples ignorância dos mecanismos que governam a língua não-padrão.
JC - E isso é grave para a educação?
Bagno - Gravíssimo. Esses preconceitos fazem com que a criança que chega à escola falando o português não-padrão seja considerada uma "deficiente" linguística, quando na verdade ela simplesmente fala uma língua diferente daquela que é ensinada na escola.
JC - Isso explicaria por que tantas crianças pobres acabam abandonando a escola?
Bagno - Em parte, sim, junto com os fatores econômicos que as obrigam a trabalhar muito cedo para ganhar a vida, impedindo-as de continuar na escola. Por serem desprezadas, por não terem seus direitos linguísticos reconhecidos como tais, por serem obrigadas a assimilar conceitos veiculados numa variedade de português que é estranha para elas, essas crianças não encontram nenhum estímulo para prosseguir seus estudos.
Trecho de entrevista de Marcos Bagno ao Jornal do Commercio, em 29 de outubro de 1998.