Questão
2014
FUNCAB
Prefeitura Municipal de Rio Branco (AC)
Psicólogo (Pref Rio Branco/AC)
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Camelos e beija-flores

A revisora informou delicadamente que era norma do jornal que todas as ‘estórias’ deveriam ser grafadas como ‘histórias’. É assim que os gramáticos decidiram e escreveram nos dicionários. 

Respondi também delicadamente: “Comigo não. Quando escrevo ‘estória’eu quero dizer ‘estória’. Quando escrevo ‘história’ eu quero dizer ‘história’. Estória e história são tão diferentes quanto camelos e beija-flores...” 

Escrevi um livro baseado na diferença entre ‘história’e‘estória’. O revisor, obediente ao dicionário, corrigiu minhas ‘estórias’ para ‘história’. Confiando no rigor do revisor, não li o texto corrigido. Aí, um livro que era para falar de camelos e beija-flores só falou de camelos. Foram-se os beija-flores, engolidos pelo camelo... 

Escoro-me no Guimarães Rosa. Ele começa o Tutameia com esta afirmação: “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a história”. 

Qual é a diferença? É simples. Quando minha filha era pequena eu lhe inventava estórias. Ela, ao final, me perguntava: “Papai, isso aconteceu de verdade?” E eu ficava sem lhe poder responder porque a resposta seria de difícil compreensão para ela. A resposta que lhe daria seria: “Essa estória não aconteceu nunca para que aconteça sempre...” 

A história é o reino das coisas que aconteceram de verdade, no tempo, e que estão definitivamente enterradas no passado. Mortas para sempre. Ler a história é caminhar por um cemitério. Ali os mortos nos contam suas lições. É importante ouvir os relatos dos mortos para aprender dos seus equívocos e não repeti-los no futuro. 

Mas as estórias não aconteceram nunca. São invenções, mentiras. O mito de Narciso é uma invenção. O jovem que se apaixonou por sua própria imagem nunca existiu. Aí, ao ler o mito que nunca existiu eu me vejo hoje debruçado sobre a fonte que me reflete nos olhos dos outros. Toda estória é um espelho.[...] 

[...] 

A história nos leva para o tempo do ‘nunca mais’, tempo da morte. As estórias nos levam para o tempo da ressurreição. Se elas sempre começam com o ‘era uma vez, há muito tempo’ é só para nos arrancar da banalidade do presente e nos levar para o tempo mágico da alma. 

Assim, por favor, revisora: quando eu escrever ‘estória’ não corrija para ‘história’. Não quero confundir camelos e beija-flores...

(ALVES, Rubem.Camelos e beija flores. Folha de S. Paulo, Cotidiano.p.2.14/11/2006.) 

O mecanismo de uso catafórico dos pronomes contribui para a coesão e para a compreensão dos textos, porque evita repetições e garante a expectativa do que será enunciado adiante. Exemplo desse mecanismo pode ser identificado no uso do pronome destacado em: 
A
“...EU quero dizer ‘estória’”. (linha 2)
B
“Ele começa o Tutameia com ESTA afirmação...” (linha 4)
C
“Aí, um livro QUE era para falar de camelos e beija-flores...” (linha 3)
D
“Ela, ao final, ME perguntava...” (linha 5)
E
“‘Papai, ISSO aconteceu de verdade?’” (linha 5)