AJURIMAR CRISÓSTOMO DE OLIVEIRA SANTANA, qualificado nos autos, foi denunciado por infração aos artigos 213, § 1º, e 213, § 1º, cc o artigo 14, inciso II, na forma do artigo 69, todos do Código Penal e do artigo 5º, incisos I e II, da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), porque,
1. Em 21 de julho de 2015, por volta de 13 horas, na Rua Salazar de Souza Videira nº 312, Jardim Uirapuru, nesta Cidade e Comarca da Capital, valendo-se das relações familiares e no âmbito da família e da unidade doméstica, teria constrangido, mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma branca (estilete), sua enteada, MCS – nascida em 20 de julho de 2000 e filha da esposa Dilerminda Custódia da Silva Santana –, à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, e, no dia seguinte, no mesmo local e horário, teria tentado constrangê-la, mediante grave ameaça exercida com o mesmo instrumento vulnerante, ao ato libidinoso de conjunção carnal, somente não se consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade.
2. Consta da denúncia que o acusado, em 21 de julho de 2015, aproveitando-se da ausência da esposa, levou a vítima ao quarto do casal, onde, ameaçando-a de morte, despiu-a e constrangeu-a a praticar sexo oral nele, deixando à vista o estilete que estava sob o travesseiro, prometendo, ao final da agressão que, no dia seguinte, “terminaria o serviço”. Em 22 de julho de 2015, o acusado, novamente se aproveitando da ausência da esposa Dilerminda, encurralou a vítima no quarto do casal, e, ameaçando-a de morte, fez com que ela se despisse e se deitou sobre ela na cama. Neste momento, o acusado e a vítima ouviram a chegada intempestiva de Dilerminda, liberada mais cedo do trabalho, circunstância que levou o primeiro a libertar a vítima, impedindo a conjunção carnal (cópula vagínica).
3. Diz, ainda, a peça acusatória, que Dilerminda, vendo a cama de seu quarto desarrumada e a vítima correr para o banheiro, questionou o acusado, que disse ter sido seduzido pela enteada. Ouvindo a discussão, prossegue a denúncia, Gertrude, vizinha, acionou a Polícia Militar e o acusado foi preso em flagrante delito, após a vítima, no local dos fatos, relatar os abusos sexuais que havia sofrido no dia e na véspera, com apoio da mãe, que confirmou a cena presenciada ao chegar do trabalho. O acusado aliás, admitiu os atos sexuais aos policiais militares, confirmando-os à Autoridade Policial.
4. Constam do auto de prisão em flagrante delito:
A) as declarações da vítima, relatando os abusos sexuais e as ameaças de morte, verbais e com emprego de estilete (arma branca), sem redução a termo de representação contra o acusado;
B) as declarações da genitora da vítima, Dilerminda, confirmando a cena presenciada ao chegar na residência familiar e o teor da discussão com o acusado (sem redução a termo de representação contra o acusado);
C) o depoimento da testemunha Gertrude, que noticiou olhares indevidos do acusado, com relação à vítima, segundo ela reservada e tímida, o que já tinha despertado a sua desconfiança, levando-a a chamar a Polícia Militar ao ouvir a discussão vinda da casa ao lado;
D) os depoimentos dos policiais militares Edimilson Fidalgo e Geraldo Gentil, que confirmaram o relato da menor e a admissão dos fatos, pelo acusado, que se dizia, no momento da prisão em flagrante, “seduzido pela diaba”.
E) o interrogatório do acusado, com confissão espontânea da prática sexual, anotando consentimento da vítima, segundo ele “menina atirada, com cara de moça feita”;
F) o requerimento, formulado pela menor e ratificado por sua genitora, de concessão de medidas protetivas previstas no artigo 22, incisos II e III, alíneas “a”, “b” e ”c”, da Lei nº 11.340/06:
G) a certidão de nascimento original da menor e a certidão de casamento de sua mãe com o acusado;
H) o auto de exibição e apreensão do estilete (arma branca) encontrado sob o travesseiro do acusado, bem como das roupas de cama e íntimas da vítima;
5. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, para garantia da ordem pública, instrução criminal e aplicação penal, e foram concedidas as medidas protetivas pleiteadas.
6. A vítima foi encaminhada a exame de corpo de delito; laudo acostado aos autos, antes da denúncia, com negativa de desvirginamento e impossibilidade de constatação de abuso sexual.
7. Recebida a denúncia, em 28 de agosto de 2015, o réu foi citado e apresentou resposta escrita. Arguiu, preliminarmente, a ocorrência da decadência, pelo decurso do prazo legal para oferecimento de representação e a inaplicabilidade da Lei Maria da Penha, porque os crimes não foram cometidos contra a mãe da vítima, esposa do réu. Arrolou duas testemunhas. Requereu, por fim, a revogação da prisão preventiva, porque concedidas medidas protetivas, o que demonstra falta de adequação e necessidade da cautelar extrema.
8. Anotada a atuação da Defensoria Pública no processo, em prol da vítima.
9. Repelidas as preliminares arguidas, indeferido o pedido de liberdade e mantidas as medidas protetivas concedidas, foi designada audiência de instrução, debates e julgamento. Pela ausência de um dos policiais militares na primeira data, foi designada audiência em continuação, quando foi encerrada a instrução criminal e indeferido o pedido de revogação da prisão preventiva, por ausência de ofensa ao princípio constitucional da razoável duração do processo, invocada pela defesa técnica e porque subsistentes os requisitos da custódia cautelar.
10. Há, nos autos, laudo técnico elaborado pela equipe multidisciplinar do Juízo, apontando ajustamento da conduta da menor a de pessoa que sofreu abuso sexual.
11. Durante a instrução, foram ouvidas a vítima e sua genitora, em declarações, e as três testemunhas arroladas na denúncia (Gertrude e os dois policiais militares), com ratificação das versões prestadas na fase administrativa. Com relação às duas testemunhas arroladas pelo réu, disseram conhecê-lo do trabalho, atestaram sua boa conduta social e familiar e afirmaram que ele não praticou crime algum, ainda que sempre assediado pela enteada, que entendem ser maior de idade. Finalmente, o réu, em interrogatório judicial, negou a prática dos delitos, afirmando que, constantemente, era “provocado” pela enteada, moça que aparenta ser maior de 18 (dezoito) anos. Disse, ainda, que sempre tentou orientar a conduta da vítima, que anda em más companhias e repetiu de ano. Negou antecedentes criminais e disse trabalhar como entalhador, no qual utiliza o estilete que foi localizado e apreendido pela Polícia Militar, que, no dia da prisão, salientou, apenas mostrava para a vítima.
12. Em alegações finais, o Ministério Público requereu a integral procedência da denúncia, com a condenação do réu pela prática aos artigos 213, § 1º, e 213, § 1º, cc o artigo 14, inciso II, na forma do artigo 69, do Código Penal e do artigo 5º, incisos I e II, da Lei nº 11.340/03 (Lei Maria da Penha), anotados as circunstâncias judiciais desfavoráveis de atribuição de culpa pelos fatos à vítima e o longo iter criminis percorrido no segundo delito, praticado em concurso material com o primeiro, no que foi acompanhado pela Defensoria Pública, que, ademais, postulou aumento de pena diante da circunstância agravante prevista no artigo 61, II, “f”, do Código Penal, identificação criminal do réu e condenação dele no pagamento de custas processuais.
13. O Defensor constituído pelo réu reiterou as preliminares (decadência, pelo decurso do prazo legal para oferecimento de representação e nulidade decorrente do prejuízo ao princípio do favor rei pela atuação da Defensoria Pública em prol da vítima e da inaplicabilidade da Lei Maria da Penha, porque o crime não foi cometido contra a esposa do réu). No mérito, além de ausência de prova de materialidade delitiva – pelo teor do laudo pericial - e insuficiência de provas, sustentou, de forma alternativa, erro de tipo incidente sobre a idade da vítima, pugnando pela absolvição. Subsidiariamente, em caso de condenação, requereu o reconhecimento de crime único, com a aplicação da causa de diminuição, prevista no artigo 14, inciso II, do Código Penal, bem como os bons antecedentes do réu e a confissão espontânea. Requereu, ainda, o afastamento da circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, “f”, do Código Penal, por implicar indevido bis in idem, e o pronunciamento do direito ao recurso em liberdade, com isenção do réu quanto ao pagamento de custas, porque pobre na acepção jurídica do termo, e ainda, desnecessidade de identificação criminal.
Diante do relatado, elabore a sentença criminal, de acordo com o artigo 381 CPP, com data de 2 de março de 2016, e assinada pela Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, Maria Eudóxia de Almeida e Cruz, com apreciação das normas de direito penal e processual penal abordadas nas alegações finais, inclusive com ajustamento da situação à legislação especial aplicável.